CONFISSÕES

Ser escritor, para mim, é alguém que escreve livros, conta com um público leitor e faz um trabalho de qualidade, principalmente.

Minha primeira ocupação foi a de professora. Também tenho pruridos com a palavra Mestre. Algo maior, muito maior do que eu me sentia.

Então, o que faço, afinal? Escrevo. Como afirma a antropóloga Mirian Goldenberg, escrever e viver são sinônimos.

Para mim, escrever é um modo de viver, de ser feliz, de ser eu mesma. Minha história está entrelaçada à escrita. Para o bem e para o mal, a escrita está presente no roteiro que me cabe cumprir.

Escrever é minha existência, meu encontro comigo mesma, minha vocação e minha alma. Por isso escrevo tanto. A escrita sou eu, parafraseando Gustav Flaubert: “Emma Bovary c’est moi”.

É vivendo e escrevendo ou ao contrário, escrevendo e vivendo que levo a vida. Meus exageros, meus sonhos, meus sofrimentos, deixo no papel. Não importa a forma de escrever, os eventuais erros, tampouco respeito as fronteiras entre conto, crônica poesia ou romance. Tenho pressa. Ter tempo para escrever é a minha sobremesa na vida. Um gosto doce de poesia e de premiação.

Sou uma mulher que ama. Amo a vida e a escrita que faço diariamente. Sou feita de palavras que deixo gravadas aqui e ali. Sou a personagem e a autora de mim, e do que vejo e ouço. Sou uma figura que se encontra nesse mister de amor e de entrega, que vira livro ou se espalha por aí, ao vento. Eu me confundo com as histórias que conto e me transformo em muitas mulheres e em muitos homens de todas as pátrias e de todos os amores, de todas as vinganças, de todas as vida vividas ou sonhadas. Considero inacabados todos os livros que publiquei, pois meu trabalho está sempre sendo refeito, complementado.

Jamais pensei em fazer da escrita uma profissão. Não, não escrevo pensando em ganhar dinheiro ou ter fama, mas em realizar um chamamento, algo maior do eu. Escrever é mais do que um ato, é um sentimento que não sei explicar, como se corresse em minhas veias uma tinta para imprimir textos, na mente e na máquina.

Penso que preciso escrever para me sentir presente, participante deste circo que é a vida.

Escrevendo sou maior e mais forte do que a vida me fez. Ou sou mais fraca, por não ter escrito ainda, tudo o que desejo.

Quando escrevo não tenho sexo, embora goste de escrever sobre o tema. Sobre sensualidade, principalmente. Não tenho gênero. E aqui vai uma confidência: meu alter ego é um personagem do meu romance juvenil: Madonna Chegou. O avô. Nele coloquei todo desejo que tenho de ajudar adolescentes miseráveis a aprenderem uma profissão. Sou aquele avô que teve a coragem de construir uma escola para ajudar jovens carentes a terem direito ao sonho de uma vida melhor. O avô que ama incondicionalmente seus netos, e os meninos de sua fábrica de fazer homens de bem.

Tudo que me rodeia vira passagem de algum texto ou personagem. Meu cão Bubu morreu, mas vive no livro. Minha gatinha Linda Maria já tomou até forma humana. Meus amigos nem desconfiam, mas estão ali, nos personagens que crio. Minha mãe e meu pai vivem nas minhas histórias; e eu sou de cada linha, a agulha que puxa o fio.

No dicionário, por certo, eu me encontraria na palavra compulsiva, mas alguns amigos que julgam me conhecer bem poderiam mudar o significado para obstinada. Fato é, se eu parar de escrever, não viverei mais. Meu corpo é frágil, não resistirá ao veneno.

Gracia Cantanhede

Adeus. A pequena palavra que se alonga como o canto de cigarra numa tarde de domingo.