Sou sonhadora por natureza e alegre por convicção.

Acontece também de me tornar, às vezes, silenciosa, mas gosto mesmo é de gente boa de conversa, contadores de casos e de mentiras.

Avanço quilômetros na metragem contínua dos meus olhos  sem  me importar com as buzinas ou  apitos de advertências correcionais.

Que a vida seja  leve, pois tudo é breve.

Meus amigos são, quase todos, cultores do bom humor. Sem isso, nada é construtivo. Humor é amor, já disse alguém e pode ter sido eu mesma quem tenha feito essa afirmação. Se a frase não é minha, me apoderei dela por ser a máxima da minha vida.

Oxalá você concorde comigo e deixe de lado o pessimismo que afoga a espontaneidade e a graça de esperar sempre pelo melhor.

Alienada??? De jeito nenhum.

Rir ainda  é a melhor maneira de ser feliz.

Voilà.

Ter visto tantos protestos nas ruas é como ouvir Tchaikovski, mas sem muita esperança porque, até então, o sonho ainda não havia se implantado por completo em mim. Nem por isso Wagner deixa de ser ouvido nos meus momentos de fé. Se me embebedo de Brahms ou mesmo de Chopin, vejo que ainda há, sim, esperança, ainda que mude aos poucos o que ficou tanto tempo assim.

DA SÉRIE: MULHERES APAIXONADAS – RITA

Rita era a própria sombra de Licínio. Não queria perdê-lo de vista, por nada. Buscava-o no trabalho, aparecia de surpresa na casa dele, perseguia-o pelo telefone.
Era também a ardente chama que incendiava os lençóis de Licínio, porém, até esse fogo todo já havia cansado o namorado que tratou de colocar um ponto final naquela desgastada relação.
Rita jurou vingar-se e mandou recado: “Ele  jamais terá paz”. Praga de mulher rejeitada, dizem, costuma pegar.
Pelo sim, pelo não, Licínio tem perdido o sono todas as noites, com as gatas no cio miando no telhado de sua casa, até o amanhecer.

DA SÉRIE MULHERES APAIXONAS: BRENDA LEVY

Brenda Levy morreu há um mês. Nós, fãs, músicos, jornalistas ficamos órfãos da voz mais bonita do País. Sofremos muito, mas não havia motivo. Brenda procurou todas as formas para uma vida breve. A autodestruição talvez tenha começado quando ela ainda era criança. Menina nascida numa favela infestada de traficantes de drogas, prostitutas, arruaceiros de todas as espécies, proxenetas, ladrões, gente sem esperança.
De uma beleza exuberante, na cor da pele morena, nos olhos amarelos, âmbar precioso, cabelos pouco anelados, corpo esguio, mas curvilíneo, revelavam, já aos doze anos, uma mulher sensual e talentosa.
A menina foi trabalhar de empregada doméstica para não morrer de fome, depois de ter sido estuprada por um grupo de rapazes do morro, na violência que campeava a vida dos moradores do local.
Aos treze anos apaixonou-se pela primeira vez, transformando aquele amor em letras de músicas que ela inventava e cantava com sua voz triste, sinuosa e de textura áspera que lhe garantiram a imortalidade.
Brenda, quando  nasceu foi batizada de Maria da Fé, sem pai que viesse a conhecer, e mãe que a abandonou, logo que deu à luz a criança, tendo como parteira a avó, e essa criou a menina enjeitada, até os dez anos da futura artista.
A história de Brenda Levy era sempre ligada a um homem, o amor da vez, e foi assim que ela encontrou Pedro, também compositor, instrumentista criativo, que deu à cantora estreante condições de gravar os primeiros discos.
O sucesso veio logo, a voz modulou-se, tomou corpo. Brenda tornou-se a paixão dos brasileiros. Mas a vida pessoal era o desastre de sempre. O dinheiro que ganhava não era bem administrado, ela nunca soube lidar com os lucros, e os prejuízos eram inevitáveis. O que ela somava era amores e desamores, responsáveis pelas drogas que usava, pela bebida que consumia.
Ter nascido bela, talentosa e ao mesmo tempo sem auto-respeito já era desvantagem demais, mas mesmo assim ela cantava forte, profunda e pungentemente.
Sua decadência começou aos trinta anos, à medida em que os amantes se iam de sua vida. Era uma Ofélia amargurada. Colombina sem carnaval.
Quando completou trinta e quatro anos foi encontrada morta no camarim de uma boate de terceira categoria. Tinha a aparência de mais de cinquenta anos e dívidas demais para serem saldadas mesmo que tivesse vivido mais meio século.
Depois de sua morte acharam um caderno onde ela anotava algumas passagens de sua vida, espécie de diário onde ela escreveu um dia:
“Não chorem por mim. Não me queiram mal, mas odeiem, se puderem, o mundo que me fez assim”.
Mais do que uma estrela, Brenda Levy foi um cometa que passou deixando um rastro de brilho permanente.

 

 

 

 

 

DA SÉRIE MULHERES APAIXONADAS: ELZA

O corpo velado em casa, na sala, com criadas servindo bandejas de café, homens de terno, mulheres vestidas com sobriedade e minha avó, de preto, elegantemente registrando tudo o que nos contou depois, com seus olhos verdes atentos sob os óculos de grau.

O enterro do homem respeitado na cidade de pouco mais de vinte mil habitantes reuniu os moradores do lugar. Seus amigos, fazendeiros, estavam todos lá, esperando que a esposa dele chegasse para dar início ao funeral. O caixão seria fechado às quatro horas e o sino da igreja cumpria o ritual, badalando de hora em hora, no anúncio da morte do Dr. Antenor, homem de posses, dono de terras, cafezais, boiadas e extensas faixas de terra que margeiam o Rio Sapucaí, naquele município.

A morte do fazendeiro ocorrera na estrada que leva à capital, na segunda-feira, num choque do seu carro com um caminhão que transportava sacos de arroz.

O falecido era homem de muitas aventuras, mesmo sendo casado com a bonita Elza, mulher apaixonada por ele desde jovenzinha, quando ele já se deitara com tantas mulheres que perdera a conta.

Ultimamente mantinha duas famílias, a oficial e a extra. Costume dos homens da região. “Casa Grande e Senzala”, herança dos tempos da escravatura. O casamento indestrutível e a tolerância oficializada a esses tropeços. Era assim a escrita.

Elza jamais aceitara a situação, mas o manto da discrição cobria a vergonha de saber que seu marido tinha amante ali mesmo, no bairro onde moravam.

Antes da viagem de Antenor ela avisara: não iria aguentar aquela situação dúbia. E aproveitara para dizer a ele tudo o que estava entalado em sua garganta havia meses: “homem sem-vergonha, amoral, deveria honrar o casamento, como o juramento que fizera no altar, de ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença.”

Para a surpresa da mulher, Antenor, dono da situação falou com superioridade: “É assim que as coisas devem ficar. Nada será mudado. Parto para a capital e quando voltar, tudo continuará como antes.”

O ódio nos olhos de Elza eram chispas de brasas luminosas. Naquela mesma tarde ela foi para uma de suas fazendas, comandar a morte de um porco gordo, como era programado de dois em dois meses, naquela família.

O capataz reuniu os empregados que iam providenciando tudo: gamelas, facões, bacias, vinagre, limão, varetas para limpar as tripas, panelas e temperos.

O ritual de amarrar o porco, puxar seu corpanzil para o cepo e cravar o facão era sempre tarefa de um dos peões mais experientes.

Quando os homens se preparavam para a matança, ouviram o barulho de um jipe chegando. O jovem condutor desceu rapidamente do veículo e alcançou Elza. Os dois conversaram por alguns minutos e ele disse ser portador de notícia muito triste; pediu a ela que fosse forte, e descreveu o acidente da morte de Antenor.

A mulher não chorou, ao contrário do esperado, não se desesperou, mas avisou que não voltaria para a cidade, naquele dia, que fizessem o enterro sem ela.

Assim foi feito.

Elza então tomou em suas mãos um enorme punhal e desceu as escadas que levavam à cena da morte do suíno.

Todos os empregados se afastaram do porco que já estava amarrado e dopado.

A mulher segurou com força a arma e desfechou sem dó um golpe no coração do animal, numa estranha confiança que nunca sentira antes.

O sangue havia manchado todo o vestido de linho azul claro de Elza, e seus sapatos estavam encharcados do líquido flamejante.

Ela então fez o caminho de volta à casa, subiu as escadas enquanto tirava a roupa suja, ficando de calcinha branca e nada mais. Tomou um banho demorado, deixando a água escorrer pelos olhos, lábios, boca, pescoço.

Enxugou-se e deitou sobre a cama o corpo moído de dor.

……………….

Enquanto minha avó relatava toda a história de Elza, ao nosso lado, minha tia Helena, ouvinte atenta de cada frase, talvez porque também sofresse com as traições do marido, falou baixinho, como se fosse para ela mesma: “Eu ainda mato meu porco”.

Mãe,

Estou no meio da multidão,
é noite,
a cidade explode.

Aquela hora em que não poderei dormir,

senão ficarei sem  voz e hoje,

há  um novo brado de liberdade.

É noite, preciso ir,

fazer coro com os que pedem um Brasil melhor.

É noite,
Tento ficar alerta para diminuir o sono,
é noite,
olhos inflamados, lacrimejam

ardência
de bombas e jatos de spray de pimenta.
Ainda posso cantar, ainda que a polícia
assuste,
é noite,
mas amanhã,
quero ter orgulho do meu País.
Mãe,

não tenho hora para chegar.

É noite,
mas não vou desistir.

Medos são tentáculos de medusa que te arrastam. Tu poderás carregá-los até em tuas roupas de baixo. É a tua carga de de lixo. Livra-te disso. Quem fiquem para trás todos os teus receios. Não corra dos novos embates. Enfrente-os.

Quero apenas ser assim: uma florzinha para dar  colorido à vida. Não preciso de muito, mas preciso de todos. Por isso, não importa estar entre pedras ou entre espelhos, quero sempre ser esperas, quando muito, ter quimeras.
O dia em que recebi a notícia
de que alguém se foi
para sempre
e esse alguém era mais alguém
do que os outros
e de quem ficou somente o gosto,
tudo ficou assim,
salitre.
Dia de nada,
tudo ruim,
de tristeza,

um vazio,

só,

sem fim.

Eu,

líquida,

oca,

vertendo

mar , oceano,

de lágrimas.

Lágrimas,

ondas  revoltas

de mim.

“Os olhos falam de acordo com o que sentimos.”

Cícero