Chove, chove, chove.

Da minha janela com o vidro embaçado, vejo a grama, lá fora. Um tapete verde, mesa de bilhar. Tirando o sossego que pudesse me deixar escrevendo em paz, uma gatinha roça meus pés.

Não penso em política. Resolvi abolir esse assunto indigesto.

Preciso ouvir música, mais música e menos gente. Se houve uma mágica pós internet é a campainha do telefone mais silenciosa.

A vida é feita de frutas. Bananas e maçãs para substituir a podridão da carne. Aleluia! Uvas são reminiscências romanas. Uma porção de amêndoas. Amendoins são cancerígenos? Dane-se. Meu reino por uma porção diária dessa delícia crocante.

Alguém me diz algo importante sobre o romantismo. Tão importante que não me lembro mais o que era. Minha fase de remoer ideias alheias passou dos limites. Penso no ser humano sempre com piedosa compreensão. Todos carentes, impotentes.

Não, não, não, não é essa impotência que passa pela cabeça dos mais velhos. É impotência de reagir mal a qualquer palavra, a qualquer novidade mais avançada. Todo conservadorismo é mal-vindo, agora. Toda miséria humana é exposta na galeria dos nossos shoppings. É preciso ser forte.

Propagam o fim do vitimismo. Quero saber onde vão esconder a pobreza absoluta que está aí. Em que armário vai caber a consciência do cidadão liberal. Na ausência de culpa, não há necessidade de arroubos.

Calem-se todos, A chuva poderia lavar todo mal do mundo.

Convoco as mulheres para um mutirão de paz. Só as mulheres.

Penso que cheguei tarde no mundo. Passei da hora. Nem sempre cumpro horários. Repetindo Mercury, não sou maquinista de trem suiço, sou artista. Achei que cabe em mim essa mistura de humor com resistência. Está de bom tamanho para as noites frias desse novembro que se despede.

Olho novamente através do vidro da janela. Um negrume encobre tudo.

Vem o desejo de vestir azul. Blues.

Andei lendo um pouco sobre história universal. Mas quero saber mais sobre naves espaciais. Ainda não conheço a Chapada. Será que vale a pena embarcar nas charadas dos habitantes de lá?

Lembro do um filme de Cacá Diegues: O Grande Circo Místico.

Jorge de Lima deveria ser obrigatório em todos os currículos. Poesia, mística e cinema em um palco para os olhos. Pelos faróis de Bruna Linzmeyer. Eu quero o divino!

Neste fiapo de noite, há lugar para a emoção. Preparo-me para dormir tarde. Também roço os pés de gente. Uma desculpa para ser mulher. De açúcar, pão e vinho.

gracia cantanhede

COMO SE FOSSE

é importante
o jeito que sorris com os olhos

a forma de me olhar
como se me visses pela primeira vez

a descoberta de que continuas
a prestar atenção em mim

esse erguer de sobrancelhas
selando a nossa cumplicidade

é quase tão bonito como
quando tínhamos vinte anos.

Gracia Cantanhede

Inerte, só os olhos vagueiam

no fim de tarde, aquela hora triste

em que reina um silêncio estranho

de despedida,

quando o dia envelhece.

Apenas o voo do pássaro assustado

rompe

a tela do ar sem vento,

ou quase isso.

Nenhum barulho que eu ouça.

Nenhum movimento.

Transmudo-me em pingo d`água

que rola solto e

molha o piso

Sou eu, só,

distante,

ausente.

gracia cantanhede

APRECIAÇÃO DE UM LIVRO DE POESIAS

ANTES DE LER,

__________amor

Debrucei-me sobre o livro de poesias da moça bonita, quase menina, Fernanda Gonzaga.

Desde a capa, antes mesmo de saber que autora afirma:

“… talvez não tenha nada a ver com a fala

mas com nossa forma

de compor silêncios”

Gostei do que vi e li.

Do amor que deve,

Fernanda termina o poema assim:

“é que o sofrer do mundo me sangra”.

E prossegui encantada:

—o amor que tentou calar-me:

“ … mas não se pode ver com os olhos

O que não foi feito aos olhos”.

Do amor

Morada:

“… o que te permeia

é permanente

ou temporada?

Amar é demorar-se”.

Do amor

Em nós:

“ …somos tão mais que rima

ao rirmos do mar

que nos margeia.”

Amar é solo:

“ descalça-me!

por onde tem terra

sou feita de barro

e os sapatos: desmontam-me”.

Fernanda, você me pediu para marcar os poemas que eu mais gostei.

Impossível.

Gostei de todos. Do livro todo. Do ritmo, da sonoridade, da musicalidade, da originalidade e do amor que você compôs.

São 122 páginas de muita beleza poética.

Creia!

Como você sabe lidar bem com as palavras e com os sentimentos expressos!

Parabéns!

Avante!

Gracia Cantanhede

Pode ser uma imagem de livro e texto que diz "Antes amor de ler, FERNANDA GONZAGA"

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12Você, Caca Ribeiro, Graciosa Maria Galeazzi Franco e outras 9 pessoas

FUGA

Eu Iria, agora, voar para um lugar,

onde longas caminhadas me levassem

à margem de um rio

de águas margeadas por folhagens

e milhares de girinos

com caudas verdes

estivessem

piscando para mim.

Bastaria um céu e um rio

para subtrair minhas dores e

a simples ideia dessas coisas

fosse meu fim de mundo,

tudo que me cerca e me prende.

Cercas rotas pelo mofo do tempo.

gracia cantanhede

 

PARA O DOMINGO

Caminhei tanto por terras estrangeiras que meus pés ficaram endurecidos. Estão cheios de descobertas. As plantas dos caminhos moldaram uma sola espessa, quase um barco, se eu entrar em um rio, sairei deslizando como canoa. E estou repleta de ousadias.

Os espanhóis dizem “embarazada” quando a mulher está grávida, e é isto mesmo que estou: “embarazada” de mim, gerando uma energia nova. E não me sinto ridícula por pensar assim. É a minha natureza, igual a uma antena parabólica, receptora de sinais, vou captando as ondas ao meu redor. Mas isso me dá sono.. Um cansaço que só eu entendo.

É no domingo que descarrego minhas forças e me deixo levar pela preguiça. Domingo é assim, preguiça escancarada. Começo ou fim? Os dois, prefiro pensar que é começo e fim, um recomeçar do nada? A palavra nada é oca, fico desse jeito depois do almoço. Oca de vontade de dormir. E me renovo ao acordar. Então, escrevo. Vou juntando as palavras que deixei de molho, em banho-maria. E lavo panelas para pensar. Panelas são boas conselheiras. Quando dou por mim, já falei com Deus enquanto a água escorria. Já me repreendi, pois sei que cometo erros. Fujo de qualquer parâmetro.

Já me aventurei demais, ao longo do caminho. Estreei em palco, sem saber nada de teatro. Dei aula de matemática sem sequer fazer direito uma raíz quadrada mais complicada. Os deuses tiveram pena de mim. Dei certo em muitas coisas. Outras lamento ter passado por elas. Às vezes acho o mundo tão tolo!! Tãotolo deveria ser escrito assim, junto!

Sou impulsiva. Quando dizem que fui para frente, costumo rir. É por isso? Nunca paro no meio do caminho. Vou em frente. Nem sei de onde tiro força, mas sigo. Medo tenho é de não ter coragem. Críticas me comovem como a morte, porque são inevitáveis. Também não durmo com raiva. Minha ira dura pouco, mas me dá fome. Depois, passa. Não tenho memória para me lembrar de nada ruim. Nesse assunto, sou surda. Passo borracha sobre as maldades. Fui vítima de algumas, mas não me lembro bem onde nem como. Aprendi cedo a me curar sozinha. Agradeço às durezas da vida, foram elas que moldaram meu caráter. Criei um escudo para lutar pelo que quero.

As solas dos meus pés já pisaram em muitos pedregulhos, estão sempre prontas para pular cerca de arame farpado. De vez em quando, sangram no percurso, sinal de que já andei muito. Uma coisa é certa: não desisto de mim, nem me lembro quantos anos fiz. Se me mostram a fila especial, para maiores, levo susto. Quem afirma que eu vivi esses anos todos?

Como disse antes, “estoy embarazada” e isso é para jovens. Ainda duvidam?

Gracia Cantahede