Gracia Cantanhede
Na minha cidade, hoje, existe uma casa triste. Silenciosamente triste. Suas janelas estão fechadas, as cortinas cerradas, as luzes apagadas, como se lá não existisse ninguém. E acho que não existe mesmo. Seus moradores estão lá, mas são como fantasmas, vagam naquela casa. A alegria não reside mais naquele local. O burburinho das horas do dia deixou uma lacuna. Não há pressa nem relógios marcando o compasso do cotidiano. O que restou do último fim de semana foi uma dor imensa, incomensurável, infinitamente cruel, cercada pelos mistérios da finitude do homem.
O que poderia ser uma manhã alegre revestiu-se de negro torpor. O luto da despedida Tantos sonhos interrompidos, tantos desejos calados.
Olho para a casa e imagino a dor dos que lá estão. Dói em mim também como se eu habitasse aquele teto. Sinto a angústia daqueles moradores. A fragilidade talvez que costuma inquietar o ser humano nesses dolorosos e incompreendidos episódios.
O clima seco e o calor dos dias de setembro em Brasília são insuficientes para impedir o fluxo das lágrimas dos moradores daquela ilha. Lá chove um choro que molha lençois e camisas, desidrata almas, rega a grama ressequida.
A casa me chama, a qualquer hora. Da varanda olho seu sombrio pesar. Sou um visitante desconhecido, anônimo, devassador de suas vidas e da morte que acampou em seu jardim.
Também busco respostas, indiscreta e atrevidamente. Quero saber o que poderia ser evitado, como se isso fosse possível. Não entendo nada dos desígnios do Criador. Senhor da luz e das trevas. Não tenho o direito de fazer indagações. Devo me recolher ao conformismo, evitar questionamentos. Devo, sim, e faço, orações para aqueles que estão tão perto e tão longe de mim.
Bem sei, o tempo vai passar e a casa voltará a ser simplesmente uma casa. Pode ser que seus moradores sejam muito mais forte do que eu.
As cigarras estarão cantando na esperança de chuva, a seca dará adeus a mais uma estação e a primavera que chega encherá a cidade de cores.
Daqui da minha janela olharei a casa que me faz tão sensível e me lembrarei que a vida é mesmo um grande mistério, sem direito a rascunho, sem direito a ensaios. O teatro está sempre no mesmo lugar, mas o espetáculo recomeça quando se abrem as cortinas e poderá ser interrompido a qualquer momento. Somos todos atores à disposição do Diretor. É Ele quem rege esta tragicômica peça chamada existência. Só nos resta aguardar a próxima chamada.