A MULHER E O TEMPO

GRACIA CANTANHEDE

Preciso de tempo só para mim.

Lista de compras na bolsa, saio apressada para o mercado . Vou abotoando a blusa pelo corredor. Entro no carro, robotizada, sigo o caminho que sei de cor. Percorro prateleiras, vou enchendo o carrinho de tantas latas, potes, guloseimas. Separo as frutas de melhor qualidade, entro na fila. – Calma, melhor assim.

-Preciso de tempo só para mim.

São nove horas, o trabalho me espera. Estou atrasada. Chove, a chuva fina me aconselha a ir com cautela.

A mesa cheia de tantos papéis, gavetas lotadas de processos. Sou a profissional preocupada. Gente que deseja saber coisas que eu mal pude assimilar. São novas leis, novas portarias. Quantas serão? São tantos códigos. São tantas bandeiras. Dói-me a cabeça. Vou em frente. Sou formiga e é verão.

– Preciso de tempo só para mim.

Os filhos esperam na porta da escola. É bom evitar malabarismos no trânsito. Não faz mal. Chego rápido. A metade do dia já se foi. Quero água gelada, comida quente na mesa e prazer de viver, que a vida é breve e boa.

-Preciso de tempo só para mim.

Tenho contas a pagar. Entro na fila. Ouço conversa de tantas tribos… Vou pisando em ovos. Nada de grilos. Não seria nunca caixa de banco. Isto só pode ser maldição para homens. Números… Números… Não sei lidar com eles. Sou Cora Coralina, sou do sertão.

-Preciso de tempo só para mim.

Correspondências que se acumulam.Datas. Agenda. Telefonemas. Se eu puder, escrevo um livro. Vou por nele toda a poesia que existe em mim. Talvez as pessoas daqui me achem ridícula. E riam. Eu não tenho o urbano dessa cidade. Falo o que penso, sim. Estou fora de moda, por isso esta correria não combina comigo.

-Preciso de tempo só para mim.

Vontade de mudar de casa, de rua, de móveis. Estou sempre a correr e corro o risco de parar de sorrir.

-Preciso de tempo só para mim.

Quero malhar em academia. Ficar bonita.Caminhar até cansar. Passar creme na face. Comprar roupa nova. Afinal não sou mais uma senhorita.

-Preciso de tempo só para mim.

Ler Borges, Neruda, Kant, Nietzsche. Recordar Cecília Meirelles e Fernando Pessoa.Reviver Fellini, Sofia Loren e Mastroiani. Ouvir Ravel e, por que não, Strauss e Mozart? Ou um popular Jacó do Bandolim?

-Preciso de tempo só para mim.

Espreguiçar na cama. Fazer palavras cruzadas.

-Preciso de tempo só para mim.

Folhear revistas tolas. Visitar amigos. Olhar vitrines. Não fazer nada.

-Preciso de tempo só para mim.

Mudar esta história nada incomum. É a história banal de qualquer mulher. A mesma ladainha sem fim.

-Preciso de tempo só para mim.

ESSA DOENÇA CHAMADA INVEJA

Descobri, tardiamente: ser alegre incomoda. Incomoda muito. Existem pessoas que não perdoam a felicidade do outro. Ficam à espera do momento da desforra. Um lapso de tempo em que lançarão o veneno. Pequenas vinganças, mesquinharias, cujo objetivo é diminuir alguém.
Em todo lugar existe gente assim. A maçã podre que põe a perder um cento. Um cento de alunos, numa escola; de bailarinas, em academia de dança; de operários, em qualquer fábrica; de pessoas, em todas as famílias.
As causas podem ser o dia-a-dia difícil, a ausência de projetos, a frustração no trabalho; a falta de amor, de romance, de poesia. O certo é que essa doença chamada inveja está enraizada no ser humano. Um vírus que teve origem nos primórdios dos tempos. Não foi assim com Caim e Abel?
O pior é termos, no decorrer da vida, de suportar a convivência com alguns “cains”. Aqueles que estão sempre contra nós, nos alfinetando como pequenos demônios. Aqueles que estragam nosso dia e azedam nossos sonhos, sutilmente.
O invejoso é aquele ser alerta: não perde a oportunidade de dar o contra em nossas opiniões, em nos contestar e, principalmente, em nos criticar e nos difamar, sem nos dar oportunidade de defesa. De preferência na nossa ausência, claro.
Pensando bem, deveria existir um ramo da medicina para cuidar da inveja. Assim, as pessoas poderiam indicar para alguns amigos: “Olha, procure o Dr. Fulano, ele receitou um santo remédio para um colega de trabalho”.
Dizem que os invejosos servem para nos fazer enxergar nossos valores e méritos, muitas vezes bloqueados.
A bem da verdade, o invejoso nos impulsiona, nos lança desafios, e até podem nos despertar para a vaidade. O que já é alguma coisa.
Mas, se alguns céticos duvidam do poder mortal do “olho gordo”, lembro estar presente na maioria das pessoas o hábito de não revelar qualquer plano, de usar amuletos, seja figa ou patuá, para espantar os maus fluidos. Será exagero dessa gente?
Sem a inveja, talvez, evitaríamos coisas banais. O grande mal, penso, estaria em prejudicar a literatura, pois perderia a fascinação dos enredos. Pode ser que as bolsas de valores despencassem definitivamente. Ou ainda, os jogos de sedução: perderiam totalmente o charme.
Há quem afirme que sem a inveja os cárceres estariam vazios, ninguém diria que estava feia a mulher bonita, e o serviço público seria uma delícia.

Gracia Cantanhede

Crônica: Sakinede Mahammad Asthiani

Sakineh Mohammad Ashtiani é o nome de uma mulher iraniana, de quarenta e três anos, residente em Tabriz, sentenciada à morte no Irã, em maio de 2006, por ter sido acusada de “manter um relacionamento ilícito com dois homens, após a morte do marido”. Em setembro daquele ano a Corte de Tabriz reabriu o caso, alegando ter suspeitas de que Sakineh havia matado o marido. Ela é sentenciada à morte por apedrejamento. De acordo com os costumes daquele país, a mulher deve ser enterrada até o pescoço, sem direito de proteger o rosto com as mãos, direito esse dado aos homens quando condenados à morte também por apedrejamento. As pedras, é preciso explicar, devem ser pequenas, para favorecer, não ao sentenciado, mas à lentidão do suplício dos condenados. No momento em que essa mulher foi presa, por certo começou a morrer ali mesmo. Basta imaginar o tipo de prisão em que ela está. Sakineh não é a primeira e por certo não será a última mulçumana a receber esse castigo porque teve contato sexual com homens ao ficar viúva. É a lei que assim determina. A mesma lei que concede aos homens o direito de se casar com várias mulheres ao mesmo tempo.

Cinco anos se passaram e Sakineh aguarda o momento de se despedir da vida, presa, sabe-se lá em que condições, por certo torturada, por um regime implantado pela Revolução Iraniana.
Aqui respingam as lágrimas de Sakineh. Dela e de seus dois filhos, que clamam por piedade.  A indignação é o sentimento mais forte.  Como aceitar as pedradas ? Como aceitar a maldita sentença daquele regime? Isso, em nome de que? De uma religião ? Do fanatismo? Do derramamento de sangue? Que Deus é esse que clama por vingança? Mais parece um conto de horror, mas é a história de u’a mulher que quer apenas ser livre e viver a vida, apaixonadamente.
O mundo volta seus olhos para o cadafalso de Sakineh. Não podemos impedir todas as pedradas, a primeira pedra já vem do útero: mulher.

Do meu livro “Palavra de Mulher”

UM JEITO DE AMAR DEMAIS

Gracia Cantanhede

Hoje, preciso falar de amor.
Ah! eu vou contar os meus segredos, sim. Abrirei a minha caixa de Pandora. Deixarei abertas,escancaradas, as janelas que dão para as paineiras com flores cor-de-rosa. Por que não? Ando completamente apaixonada, tonta, desatenta. Já não presto mais atenção nas minhas contas, nem vejo as pessoas que estão a minha volta. Só fico atenta aos seus movimentos, e fico ardendo de saudades se você se ausenta.
Depois de tantos ano, de tão longa convivência? Ainda assim, juro, você me faz corar e gostar de beijo na boca, de passear de mãos dadas e de ir ao cinema à tarde. Coisas de namorados em plena adolescência.
Por você, me disfarço de serpente, compro camisola nova, preparo drinks diferentes. Sou até capaz de compor um rock e de sentar horas ao piano para ensaiar uma nova partitura.
Retiro do armário todas as roupas e visto uma por uma, para ver qual a que mais me assenta. Vou para a cozinha e remexo os temperos, procurando novas fórmulas para comidinhas que não tenham aquele jeito de fast food da esquina.
Decoro lições de Yoga e descubro massagens interessantes, coisas que relaxam e não se parecem em nada com aquelas gravadas em videocassete, que desfilam em nossas telas indefinidamente.
Vou propor que esqueçamos estes hábitos tão ordeiros de guardar coisas inúteis em gavetas, de cobrir as camas só de branco, de empilhar os livros por assuntos e de cerrar sempre as cortinas pelo lado direito.
Vamos fazer de conta que tudo cintila, que esta casa é pintada de púrpura,e que por aqui, derrama o sol de meio-dia, mesmo que agora seja vinte e trinta.
E não se esqueça nunca que eu sou “leão”, animal que precisa ser domado, que gosta de caça, que é uma fera- embora fique dias entocado,carente, mais parecendo um cordeiro de pacato.
Ah! se você quisesse , eu virava gueixa, fazia ar de mistério, usava aquele perfume, um bouquet, ou da Deneuve, entrava no cio, adiava todos os compromissos para segunda-feira, não sei de que semana, em qual mês, lá para o ano três mil.
Você quer?
Vamos para aquela ilha, onde dizem, a água é morna, a lua vagueia toda noite no céu, na terra, nas ruas…como antigamente, quando a gente costumava olhar o firmamento.
Eu prometo não ser tão malcriada, falar menos- prometo- mesmo que contrariada. Deixo de ser parcial, de radicalizar em quase tudo, fico muda por um triz, abaixo a bainha das saias, deixo de ser anarquista, não olho pros lados e empino o nariz.
Assim você se encoraja e me faz aqueles velhos galanteios, encomenda flores nas datas importantes da minha vida e nas datas outras que ficaram esquecidas.
E quando suas mãos afagarem as minhas, direi, como há vinte anos: que mãos macias! Você, então, por favor, responda, tal como disse no primeiro encontro, entre jocoso e prepotente:-“Mãos de intelectual”. Rirei, por certo, com o sorriso da menina que eu era e que guardei, querido, para ser sempre a sua namorada e, creia, penso ainda ser, mesmo nas tempestades que passamos juntos, mesmo depois de tanta inquietação, porque o destino nos conduz na trilha desta enorme, bela e louca paixão.

CARTA A MEU PAI

CARTA A MEU PAI

Gracia Cantanhede

Quando você se foi, há dez anos, não tive tempo de confidenciar-lhe minhas íntimas aflições. Bem sei que morrer é o destino do homem, mas a morte sempre nos surpreende. Sei que você já havia vivido muito, mas ainda havia muito por viver, ainda. Você que foi tão bonito, tão viril, tão sedutor, já não conseguia ser plenamente aquele pai vibrante e apaixonado. Companheiro, um viajante do tempo. Pai de sete mulheres, um exagero ter sete filhas, que cresceram sob sua sombra, seu olhar muitas vezes doce ou irado, mas sempre vigilante.Já não existe mais a preocupação das explicações. Tudo mudou depois que você se foi.Agora acabaram-se os jogos de baralho na família. A graça evaporou-se do carteado. Você que gostava tanto de política e futebol, de mesa farta, de rodas de conversa já não está aqui para inventar histórias. E as palavras que não foram ditas estão soltas no ar, como flocos de neve. Congeladas em plena primavera.
Pai, às vezes nos entendíamos com um olhar, outras vezes deixei de compreedê-lo, julguei seus atos, condenava-o, muitas vezes. Coisas da imaturidade.Hoje sei que podia contar sempre com você. Suas palavras eram importantes para mim. Lembro-me de um conselho seu: “Filha, erga a cabeça”. Isso me possibilitou passar por problemas com altivez. Não me dobrar diante das dificuldades. Era uma frase, apenas, e valeu tanto. Sou seu sangue e me orgulho disso, dessa herança italiana que explica muita coisa: nossos sentimentos exarcerbados, essa sensibilidade imensa, nossos exageros, essa dramaticidade a empregnar nosso mundo.
Esse planeta continuará sem você e, depois, sem mim. É a ciranda da vida. Meus filhos terão a missão de contar para seus filhos o quanto nos dois éramos engraçados. Românticos incorrigíveis. Seremos lembrados como contadores de histórias, e já será o suficiente para evocarem nosso riso como fogos de artifício. Herdei de você essa mania de ser feliz, de rir de tudo e da gente mesmo.
E porque hoje é o Dia dos Pais, brindarei à sua lembrança com um bom vinho e muitas iguarias. É a melhor maneira de evocar sua presença, afinal, nossos melhores momentos foram em volta de uma boa mesa, um bom macarrão e muita alegria.
Agora, esteja onde você estiver, quero que saiba: Tenho muito orgulho de ser sua filha: Tim….Tim…

AZUL DA COR DO CÉU

AZUL DA COR DO CÉU

Gracia Cantanhede

Alaíde era bem engraçada: pernas finas, barriguinha saliente, braços compridos, olhos muito vivos e cabelos minguados.
De longe, quem a avistasse, já sabia se ela estava sóbria ou “meio alta”, como se diz por aí. Mas, a vida era dela, isto lá era, porque trabalhara muito e construíra um bom “pé-de-meia”. Podia se dar ao luxo de tomar, quando quisesse, seus traguinhos na “Coréia”, nome que dera ao boteco da esquina, onde havia muitas brigas, numa alusão à guerra dos dois países irmãos.
Sagacidade e matreirice nunca faltaram àquela mineira inteligente. Seu jeito pândego não envergonhava os parentes nem tampouco às duas filhas, ambas elegantes, sempre impecáveis. O marido, bonachão,também não reclamava das escapadas de Alaíde à “Coréia”, daí por que poder-se-ia dizer até que formavam uma família feliz.
Mesmo sendo desprovida de vaidades, nossa heroína resolveu, certa vez, providenciar umas reformas em sua casa, e começou pela cozinha: queria tudo na cor azul. É que naquela época, a moda assim determinava. Tal como hoje, onde o branco, o bege e o prata predominam na decoração daquela parte da casa, há alguns anos, toda dona-de-casa queria a cozinha azul.
Os parentes e vizinhos acompanhavam o entusiasmo de Alaíde pela reforma. Ela era a própria rainha do lar, e a todos propagava as compras que ia fazendo: armários, louças, fogão… tudo na cor azul clarinho. Só faltava a geladeira, porque as lojas da cidade não dispunham de nenhuma.
-“Ora, isso não é problema”, opinou a cunhada, “mande pintar que fica novinha em folha.” Assim foi feito. A geladeira usada seguiu para a oficina com a recomendação de que fosse pintada de azul, “da cor do céu “.
Passados alguns dias batem à porta para avisar a chegada da geladeira. Alaíde ajeita o vestido no corpo magro, penteia os cabelos e dirige-se à sacada para espiar a única peça que faltava na sonhada decoração. Mas, ingrata surpresa: a geladeira estava, de fato, pintada, só que de um azul escuro, assim… anil.
Que desastre gente, era só o que faltava. Ela nem pode acreditar. Desaforo mesmo. Ninguém duvide da indignação estampada em seu rosto.
“- Moço, eu lhe pedi uma tinta azul, da cor do céu”.
E o danado respondeu tranquilo, dando-se por explicado:
“Olha, dona, no dia em que fiz a pintura, o céu estava dessa cor”.

(Crônica publicada no “Caderno Mulher” do Correio Braziliense e no Livro “Palavra de Mulher” ).

AMOR PASSADO A LIMPO

GRACIA CANTANHEDE

Era, talvez, o último desabafo:
-Não tenho nada, absolutamente nada a ver com você. Erramos, os dois,em tentar construir alguma coisa juntos. Reconheço que fracassamos fragorosamente.
Saiu, batendo a porta, e mergulhando numa angústia louca, rodou por várias ruas, dirigindo sem rumo, sem coragem de chegar a qualquer lugar.
Engolindo as lágrimas, uma a uma, tentou voltar ao velho vício, acendendo um cigarro, mas uma vertigem aguda fez sua cabeça rodopiar, com um mal-estar invadindo o corpo todo.
No retorno, a ausência dele.
Foram noites e noites de insônia.
Letargia total.
O mundo parou. O telefone emudeceu. Os caricatos políticos desfilaram seus rosários, sem despetar nenhum interesse. As violetas foram murchando por falta de água. As saias rodavam em sua cintura.
E ela que reclamava já estar cansada de ouvir as mesmas músicas de Bob Dylan, os velhos sucessos dos Beatles, de ir sempre àquele barzinho da esquina, começou a entender toda a cumplicidade deles, as coisas que os unia, longe de separá-los.
E a saudade lhe corroía.
Ninguém dasarrumava nada, ninguém se fechava no banheiro, ninguém sussurrava aos seus ouvidos palavras obcenas com pitadas de humor. O mundo ficou pequeno, sem notícias interessantes nos jornais, sem escândalos, sem altas no dólar, sem desmatamentos na Amazônia.
Tentou reunir os cacos e se recompor, fibra por fibra: inútil intenção.
Houve, porém, um momento mágico: uma campainha no silêncio da noite. Um tilintar sonoro que durou um minuto ou um século. Ele estava na sua frente; pálido, quase ofegante, sem querer parar entrar ou partir; olhos nos olhos; o que dizer?
A sala girou. Desgarram-se todos os quadros das paredes brancas, rolaram pratas, cristais, flores, luzes aos borbotões. Um carrilhão, mil carrilhões, todos os sinos tocaram a um só tom.
Se sorriu, se tremeu, se chorou, jamais saberá dizer.
Era ele, e era para ficar, e continuar amando-a, completando-a, afagando-a, jurando que só ela era importante, só ela existia para ele, era sua alma gêmea, não obstante tantas diferenças.

IDEOGRAMA

Gracia Cantanhede

O pote de ouro no fim do arco-íris,
não alcançarei.
Aquele que me fez evitou esta cobiça.

Quero antes a revolução:
de idéias, de ânimos, de buscas.
O mar é uma gota.
Transborda o copo.
Caem os muros, não chegam soluções.
Este silêncio é engano.
De tão tolos não esmeram em cuidados.
Conheço a assinatura falsa.
Esse jeito de esperar sentado.
Pode ser hoje, pode ser amanhã.

E chega a ovelha desgarrada do rebanho
que decifra esse ideograma,
esse jogo de persona.

Pode ser hoje,
pode ser amanhã

DA SÉRIE: MULHERES APAIXONADAS: LUCIANA

São dias de incontidos sentimentos nacionalistas. A nação torce pela Seleção Brasileira de Futebol. Quase todos nós somos técnicos e nos achamos no direito de escalar um time verde e amarelo. Há quem reclame de  Felipão, há quem teça elogios ao dirigente dos “canarinhos”. Mas também existem pessoas que não entendem e não gostam de futebol. Tenho várias amigas nessa categoria. Uma delas me despertou a atenção nos últimos dias: Luciana.  Ela, até então, totalmente desinteressada do esporte nacional, de repente passou a acompanhar todos os noticiários esportivos, decorou sua casa com bolas e bandeiras, colocou camiseta com as cores do Brasil e também dá palpites sobre a condição física dos jogadores.

O motivo, vim a saber por acaso: está namorando um fanático torcedor flamenguista, desses que dormem com a televisão ligada para não perder o jogo do dia seguinte.O coração da moça passou a bater no compasso da Copa do Mundo. Na verdade, não estranhei o súbito interesse da amiga. Nos conhecemos há algum tempo, portanto, sei bem como mudam seus gostos. Acompanhei suas várias mudanças de hábito. Tudo depende da companhia. Se está namorando um músico, sua especialidade é a batuta da orquestra.Transforma-se em assídua frequentadora de concertos e passa a comprar partituras.

Muda de amor, o interesse muda para outro foco. Já a vi colecionando fitas de vídeo para agradar a um cineasta amador e reformando seu guarda-roupa, porque se interessara por um dono de loja.

Aquele famoso refrão ” metamorfose ambulante” cabe direitinho para a mais nova admiradora de Neimar.

De uma coisa ninguém duvide: ela está feliz e linda. E é isso que importa. O amor a deixa vibrante, acesa, como deveriam ser todas as pessoas do mundo. Mesmo que somente dure uma copa do mundo, já será o suficiente para encher minha amiga de entusiasmo, coisa que contamina, como se sabe.

Nada de tédio.

Só encantamento.

No mínimo ficará uma história para ser contada: a de um amor nos tempos da Copa do Mundo.

Gol de placa para essa apaixonada torcedora brasileira.

-Vai, Brasil!

-É pênalti.

-Juiz  filho da puta.

CRÔNICA DOS NAMORADOS

GRACIA CANTANHEDE

Existem datas em que a solidão incomoda mais. Natal, por exemplo, é tempo de encontroe tempo de reunir a família, para ser Natal de verdade. Dia dos Namorados, sejamos francos: é bom ficar só? No Brasil, época de friozinho gostoso,é ocasião para aconchego, que lembra ternura,carinho de namorados, beijos lânguidos, roçar de corpos, festa sensual que o amor permite.
Nem adianta lembrar que o comércio está em festa, conchavo antigo com o casamenteiro Santo Antônio. O que importa é a paixão, essa irrestível corrente de duzentos mil volts, capaz de provocar incêndios incontroláveis.
É certo, podem apostar: os “shoppings” venderão mais, baterão o recorde do ano passado,os barzinhos e motéis estarão lotados, as floriculturas terão o maior movimento do ano, repetindo o ritual do calendário do amor.

Comemorar a vida, brindar à felicidade, importa muito para viver um grande amor.Tudo faz sentido na arte de seduzir. Valem as mensagens, os presentes, luz de vela, declarações e juras de eterna fidelidade.
É antiga a idéia do exagero nas coisas ditas pelo coração.Frases gravadas em cartões, bilhetes e e-mails,não mudaram: são cartas de amor. As mesmas , em todos os tempos. Fernando Pessoa nos deixou a certeza de que “são ridículas todas as cartas de amor e não seriam ridículas se não fossem cartas de amor”.
Para o objeto de desejo valem as mais variadas formas de sedução: perfumes inebriantes, transparências, insinuações nos decotes e despudoradas fitas de vídeo.
Realidade e fantasia se confundem nesse jogo de maravilhosas sensações. Afinal, vale a magia do momento, sublimar as emoções, valorizar o bem-amado: “Eu te amo, tu me amas.” Mesma frase dita e repetida por todos os enamorados, influência de Cupido, esse deus maroto, responsável por tantos encontros e desencontros, eis que o amor tem o compromisso inusitado com o tempo: é eterno enquanto dura.
(Já disseram antes poetas de todas as épocas).
O mistério é a imagem do outro despertando perfumes exóticos nas penumbras do inconsciente, como se o corpo estivesse dotado de asas e, enquanto perdurar essas sensações, ali estará a paixão, confundida, muitas vezes com o verdadeiro amor.  Alguém também já disse que não é a pessoa que amamos, mas  a cena, o sonho.
E porque sonhamos todos com o amor pleno, lindo, recíproco, exuberante, não perdemos a esperança de perpetuá-lo. Assim, talvez por esse motivo, exista o Dia dos Namorados. Um dia para renovar os sonhos.