GRACIA CANTANHEDE (Texto publicado no Jornal Correio Braziliense – Caderno Mulher)
Quando as aulas terminavam nós sabíamos, era chegado o final do ano. A chuva começava a ser frequente e as enxurradas lavavam as ruas de paralelepípedos com a espuma das águas que eu via correrem, meu nariz grudado nas vidraças.
Esperava estiar para ganhar a rua à procura do arco-iris que saía sempre da serra, lindo, fulgurante, enchendo da imaginação minha cabeça coberta de cachos amarelos.
Sabia que era época de festas, e vibrava com as andanças pelo mato. Mamãe ia à frente para escolher um pinheiro bem redondo, harmonioso, que seria transformado em árvore de Natal, depois de replando numa lata grande. Teria cobertura de papel dourado, quando meu pai chegasse de viagem trazendo, bem escondidos, os presentes e alguns enfeites.
A família reunida fazia o presépio; não tão grande quanto o da igreja. Esse era enorme.
Os santos do presépio lá de casa eram pequenos, mas tinham um encanto especial.
Fazíamos, nós mesmos, a casinha coberta de sapê, o lago era um espelho enfeitado por alguns patinhos de gesso. O pasto, com uma porção de bois, vacas e cabritos feitos de barro, à sombra de arvorezinhas, compunham um cenário magnífico.
O menino Jesus era o último a ser colocado no seu berço de palha, quando tudo estivesse pronto. Mas os Reis Magos eram os que mais mexiam com a minha fantasia: aquela história de estrela, do ouro, incenso e mirra. Além do mais, os reis tinham roupas bordadas, coloridas, mantos e coroas, tudo com muito brilho de brocal.
Na noite da Missa do Galo, as crianças faziam um grande esforço para ficarem acordadas esperando Papai Noel. Assim como eu, a maioria acreditava que ele existia, de verdade.
Os presentes não tinham sofisticação e nem sempre correspodiam aos pedidos das cartas endereçadas ao bom velhinho.
As novenas, essas sim, eram infalíveis. Rezadas de casa em casa, onde já esperavam biscoitos, bolos, um café fumegante na bandeja e o orgulho de cada família em mostrar o presépio feito com arte e carinho, para celebrar o nascimento de Cristo.
O melhor da festa, naqueles tempos, era sua preparação, sem luxo, sem vitrines, mas alegre, muito alegre.
Era uma festa de todos, pobres e ricos. Sem ostentação, mas com muita poesia. A poesia dos hinos das igrejas, dos sinos que anunciavam as missas, dos cantores dos Dia dos Reis e da folia que encantava algumas crianças e aterrorizava outras. Lembro-me de um primo que se escondia debaixo da cama quando a Folia dos Reis chegava, com aquele barulho todo, as fitas dos pandeiros fazendo um carnaval de cores no ar, e os homens fantasiados, grotescamente, de reis.
Minha avó preparava um lanche à sua moda, com queijos, broas de fubá, muito licor e um doce, danado de gostoso, chamado de pau-a-pique, enrolado em folha de bananeira.
Já era, então, seis de janeiro; e sabíamos, como não? A árvore voltaria para a mata, novamente plantada na terra úmida, fofa, perto do açude, local bom de pescaria, onde meu pai costumava pegar uns peixes grandes. Eu ia mesmo era observar os girinos que cobriam suas margens, misturados na folhagem exuberante que caía ao seu redor.
O tempo passava lento, sem pressa, sem atropelos. A igreja voltava a ser bonita, tão-somente pelos seus vitrais coloridos, pelos altares repletos de santos enormes e pala abóboda brilhante, onde eu me transportava durante horas pelo sonho de suas linhas barrocas, com tantos rococós, tamanha luminosidade ofuscando meus olhos nas manhãs ensolaradas.
Vejo agora o Natal nos shoppings, nos anúncios de televisão: as lapinhas foram substituídas pelos ornamentos mais exóticos, e a religiosodade da datas está esquecida num canto qualquer de nossa memória.
Um Natal diferente vivemos hoje, tão diverso daquele espírito religioso. A alegria da simplicidade já não existe e a festa do dia 25 de dezembro, que era de todos, comemorada em igrejas, principalmente, passou a ser mais mercantilista, embora sirva para reunir a família, o que já é o bastante, para a maioria.
Parece que só o luxo dos Reis Magos continua o mesmo. E ficou para contar a história dos antigos natais.